quinta-feira, 30 de março de 2017

Sintonia

   Penso, sinto e faço, logo existo como um ser humano integral! Conseguir somar pensamento, sentimento e ação significa fortalecer a autonomia. É mais consciente, livre e realizada a pessoa que consegue integrar seus diferentes aspectos dando uma tonalidade ou marca pessoal que a represente. Isso implica assumir os seus sentimentos e a correspondência deles com os fatos da realidade; se autoconhecer percebendo seus pensamentos e ideias e a relação com o mundo; e por ultimo ser sensível as suas ações e ao rebatimento que isso representa para o outro. 
   Foi com o psicólogo norte-americano Carl Rogers que essas ideias ganharam o conceito de congruência e um aprofundamento reflexivo. Em sua psicologia humanista voltou-se a atenção para o ser humano que busca aperfeiçoar-se e tornar-se mais humano, dando mais oportunidade para si. Quando a pessoa está sendo ela mesmo e mais consciente vemos alguém congruente. 
   A conscientização é a forma como o sujeito aumenta seu olhar e compreensão sobre si e posteriormente sobre o outro e a realidade independente, possibilitando por sua vez, a sua autonomia e maior liberdade em seus atos, escolhas e posturas. 
   Se fulano acredita que caminhando vai ter uma melhor qualidade de vida, sente-se bem com isso e prática em seu cotidiano a caminhada e colhe os resultados de bem estar, vai estar vivendo de forma integral. Caso os resultados o contradizem, pela práxis vai estar podendo se rever e fazer diferente, melhorando a sintonia entre o pensar, sentir e fazer. É em meio a esse processo que a autonomia de quem está sendo governado por si e realizando um bom governo pessoal, vai aflorar.
   Contrário a isso seria um atrito interno. Um desconhecimento do porque ser, pensar, sentir e fazer assim. Uma tendencia de considerar a sua própria realidade como sendo guiada totalmente por forças misteriosas. 
  Esse texto não descarta o conhecimento que parte de nossa realidade é influenciada por forças econômicas, sociais e biológicas, mas que essas forças não determinam quem podemos ser! Apresentam condições e não determinismos.
   Saber dos determinismos e do próprio funcionamento de nossa realidade interna e externa nós dá melhores condições de vivermos. É no fundo a luta pela nossa autonomia e pelo humano que há em nós.
Sintonia como algo a se construir consigo mesmo e posteriormente nas relações interpessoais

   Estar em sintonia consigo é o primeiro desafio para qualquer ser humano que almeja ir além dos limites históricos, sociais e econômicos. É a busca pelo realizar-se em toda potencialidade humana!
  Mas como em outros artigos, destaca-se a necessidade de primeiro olhar para si, entrar em contato com o seu passado, suas emoções e maneiras de se comportar, procurando percebe-las e compreende-las. Isso possibilitando descobrir zonas de conflito em seu eu, como o caso de uma pessoa que tem um passado que continua se fazendo presente e atrapalhando o agora, exigindo elaboração interna e resignificação; ou de alguém que tem dificuldades em lidar com as próprias emoções e precisando olhar isso, passa a conseguir lidar.
   Após esse cuidado consigo, é o momento de olhar para a coletividade buscando perceber e compreender aspectos singulares desse outro.
    Construindo assim a sintonia com o mais intimo  do próprio eu e com a essência da coletividade.



Rua Conceição
Michel Cabral

domingo, 5 de março de 2017

Vivência Não-Violenta

   Convivência é algo da vida que está presente nos mais variados espaços e do qual pouco falamos e pensamos. A forma como somos tratados, como tratamos os outros e a qualidade de nossos relacionamentos perpassa essa dimensão. Tão importante quanto buscar fazer cursos que o mercado exige; conhecer novos lugares; e cuidar de nossos objetos pessoais, é olhar para esse elo (chamado convivência) que nos envolve com o outro.
   Anos e anos buscando me aprimorar em meus relacionamentos e estreitar os vínculos, fui me deparando com alguns desafios. E ao olhar as pessoas interagindo fui percebendo discussões/problemas que prejudicavam a convivência. Então comecei a perceber o quanto a comunicação é a base do relacionamento.
   Saber se comunicar adequadamente ao contexto, ser assertivo em suas colocações e propostas, dominar as principais funções da linguagem e saber expressar para além das palavras indo no significado, são condições para quem deseja se comunicar bem.
   Ou melhor ainda, se tornar uma pessoa que faz o diálogo brotar nos contatos, enriquecendo subjetivamente os participantes. Diálogo que remete as ideias de Martin Buber, que nos ensina esse meio possibilita a relação de um EU à um TU, algo verdadeiramente humano, que respeita as experiências, sentimentos e pensamentos do outro e busca construir um estar junto pautado no respeito e na dignidade humana. Diferentemente de um EU-ISSO, que Buber descreve como sendo uma experiência desumanizadora, na qual a fala ou comunicação só serve para manipular e controlar.
   Aprendi com o tempo a importância de cultivar uma vivência não-violenta ou em outras palavras: uma Vivência Verdadeiramente Humana. O que seria isso? Partir do pressuposto de que as pessoas tem desejos, vontades, sonhos e planos diferentes dos meus; de que a sua história de vida e escolhas os condicionou a ser de uma determinada maneira, "merecendo" compreensão; e mais profundo ainda, que o outro que age de uma maneira que me causa incomodo, chateamento, tristeza ou mesmo raiva e enojamento, não é meu inimigo ou uma aberração.
   Resgatando Terêncio, um importante dramaturgo e poeta romano: "Sou humano, nada do que é humano me é estranho". Trazendo para o Séc. XXI, ano de 2017, eu poderia dizer que a sua forma de se comportar, dar sentindo a sua vida, amar e os valores não me é estranho, sendo-os a expressão de uma humanidade latente. 
   

 Mas o fato de sermos quem somos, mantermos nossa singularidade não passa de forma despercebida pelo outro. Posso ter ações e falas as mais variadas e diferentes possíveis, é a minha humanidade se manifestando. 
   É no encontro com o outro, na construção da convivência, que o jeito de ser poderá ser aceito e integrado à dinâmica da relação ou que ocorrerá um "desentendimento" e precisará ser negociado. Se ambos precisam estar juntos, por força da vontade dos dois ou por força maior, como em um emprego ou escola, algo precisará ser feito para auxiliar no entendimento.
   Esse entender é atravessado pelo diálogo embasado na razão. Algo está dificultando a compreensão do direito em ser e do dever em reconhecer o direito. Sentimentos não estão sendo identificados e trabalhados, tornando sujeitos objetos de um "poder" desconhecido. Necessidades estão sendo ignoradas ou subestimadas, desgastando mais ainda a convivência. É preciso dialogar para se libertar da incompreensão!
   Em seu livro Comunicação Não-Violenta, Marshall Rosenberg, desenvolve uma teoria da comunicação que auxilia as pessoas a compreenderem a si e a poderem se comunicar de uma forma mais objetiva/clara e humana. Parte do pressuposto de que a maioria desses desgastes e impasses nos relacionamentos é causado pelo desconhecimento de uma Observação livre de julgamentos, rótulos e pré-conceitos; da falta ou frequência em se atentar para os seus sentimentos e por sua vez de verbalizá-los; de também perceber, cuidar e trabalhar suas necessidades; e por ultimo, relacionando estas categorias (Observação, Sentimentos e Necessidades), encontrar um meio de realizar um Pedido ao outro para conciliar essas categorias e concretizar uma negociação em que o ser do outro possa existir minimamente de uma maneira saudável e respeitosa.


Marshall Rosenberg em um Workshop nos E.U.A utiliza de dois fantoches para representar a Comunicação Não-Violenta
   Gostaria de deixar como imagem ilustrativa o uso de fantoches de Rosenberg para explicar o que é a Comunicação Não-Violenta. O boneco da direita que se assemelha a um lobo, ou nas palavras do palestrante é o chacal, representa a violência presente em nossa sociedade, sendo desde a imposição de nossos valores e moralidade ao outro, julgamentos, avaliações, confusão entre fato e opinião à insistência em projetar no outro nossos sentimentos e necessidades não atendidas. O boneco da esquerda sendo a girafa, representa o esforço por uma comunicação mais humana, é o simbolo do escutar para além das aparências, ouvir os sentimentos do outro e suas necessidades. No fundo precisamos desenvolver mais esse lado da girafa... (Sugiro que assistam essa palestra clicando no link abaixo).
   Em suma, o primeiro passo para quem deseja aprimorar a sua forma de se relacionar é começar a se atentar para os seus sentimentos e necessidades, procurando identificá-los e verificar se realmente são sentimentos (alegria, incomodo, raiva, contentamento, tristeza e etc) ou não (estou me sentindo injustiçado; porém injustiçado não é sentimento). Verificando suas necessidades (preciso de alimentos, preciso de segurança, preciso de valorização). E também começar a prestar atenção em suas observações o quanto são influenciadas por julgamentos. E por ultimo, fazer pedidos baseados na compreensão anterior e sem avaliações ou imposições.


   As ideias semeadas nesse breve texto não pretendem esgotar o debate e muito menos oferecer uma receita para os relacionamentos. São reflexões para se colocar na ordem do dia de nossas conversas a importância de se falar sobre Convivência. Pensamentos esses que buscam auxiliar as pessoas no aperfeiçoamento de suas vidas.

Bibliografia:
BUBER, Martin. Eu e Tu. Tradução do alemão, introdução e notas por Newton Aquiles Von Zuben. 10. São Paulo: Editora Centauro, 2001. 

Rosenberg, Marshall. Comunicação Não-Violenta. Editora Agora: 2006.

Rosenberg, Marshall. Workshop sobre Comunicação Não-violenta.
Url: https://www.youtube.com/watch?v=DgAsthY2KNA



Rua Conceição
Michel Cabral