domingo, 15 de janeiro de 2017

Caminhos da autonomia

   Autonomia não é algo que se pode comprar no mercado da esquina, pedir para o vizinho ou relegar ao outro pela sua construção. É tarefa/desafio para ser humano que se vê no mundo, percebe-se ser inconcluído que por sua vez tem a chance de construir sua biografia e interferir na história da coletividade, que por sua vez também pode faltar com a ética universal de estar com outras pessoas ou mesmo de se rever e entrar em sintonia moral com o desconhecido que nos confronta com sua diferença. Falar desse conceito é pensar em alguém que assume ser o sujeito de suas escolhas, que entendendo a influência social em sua vida, não abre mão de seu papel histórico de colaborar (ou não) na transformação da sociedade.
   Mas qual é o caminho para a autonomia? A partir do momento que essa indagação é respondida com um mapa revelando uma trilha de escolhas, opções e alternativas, perde-se o essencial desse processo de vir a ser: a liberdade do ser humano inventar-se! Isso não significa uma ausência de horizonte, que em seu contrário, seria o determinismo de lugar nenhum para onde se movimenta uma consciência “achando” que está escolhendo, mas no fundo, o ponto de chegada já está dado como o nada.
   Por meio da práxis a pessoa consegue sentir sua liberdade* e pensar acerca do que faz, resultados alcançados e do que vai mudar no seu fazer; também é recurso para comparar o seu projeto de vida com outros na qual identifica-se traços de uma edificação de autonomia; é um meio que surgiu no seio da existência humana que possibilita que tenhamos temporalidade e história.
   Sem renunciar pela coletividade nessa empreitada, o diálogo é a ponte que se eleva entre o eu e o nós. Canal de compartilhamento de vivencias e que faz com que a autonomia não se converta para um projeto de autômata, na qual por meio das palavras e exemplos do outro, nos coloca a pensar sobre o que estamos construindo.

meninos pipa

Imagem:Meninos soltando pipas (1947). Portinari, C.

   Na imagem acima foi escolhido um quadro de Portinari para ilustrar a problematização acerca da autonomia: crianças soltando pipa. A criança como representante genuína do ser humano (de suas potencias e limites) e em sua brincadeira (ou ensaio para nós) uma pipa representando seu projeto momentâneo. Tenuamente uma linha a conecta a sua aspiração e realização; pois seu objetivo é fazer o objeto levantar voo, de preferência o mais alto possível e com brilhos ao seus olhos, mas tudo isso governado por sua vontade e organização.
   No momento que se espelhou no outro para conseguir a sua pipa, nas conversas para aprender o manuseio e no preparo para arriscar seu projeto. E entre seu mundo interno e a conquista do objetivo, a linha ao mesmo tempo frágil o bastante para estourar em um movimento imprudente, como forte o suficiente para resistir a ventania do desconhecido, no fundo a expressão de sua liberdade.
   Cada pessoa como apontado no inicio, tem o desafio de elevar e fortalecer a sua autonomia. Existem caminhos para essa tarefa e o horizonte é pensado no inicio da caminhada e no caminhar, sendo que a autonomia se faz caminhando (próximo de Paulo Freire que diz: O caminho se faz caminhando). Não se constrói parado e no mesmo lugar.
   Uma pipa é diferente da outra, a forma de faze-lá foi diferente e o próprio ato de solta-lá é um caminho dentre muitos caminhos. Mas é ato que se dá junto com o outro, por mais só que o sujeito se encontre: a marca humana continua em seu pensamento e linguagem.
   Em uma bela tarde de verão, sentado em frente de um computador sozinho, escrevendo e pensando, constitui-se como o caminhar. Essa reflexão ergue-se como uma pipa, sendo a decisão de compartilhar a linha e do céus como a internet que abriga o artefato. Engana-se quem pensa que essa obra é de exclusiva autoria de quem a assina; precisa ir além e perceber que a coletividade contribuiu para esse processo de autonomia.

*A ideia defendida nesse artigo de liberdade não a compreende em termos absolutos como outras teorias buscam apresentar, mas percebe a questão social, história e biológica como influenciadora, porém não deixa de visualizar o papel dela na construção da autonomia.


Rua Conceição
Michel Cabral