quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

Procurar dentro de si o que te falta

   Acordar e rapidamente ser tomado pelo desejo de procurar algo que está nos faltando, é algo que costuma nos acontecer e exige no mínimo uma reflexão.
   Por vivermos em uma sociedade consumista e individualista, logo somos “forçados” a crer que o que nos falta é um bem material ou algo que possa ser comprado. Se aproveitam da nossa situação e até mesmo contribuem em muitos momentos para sentirmos necessidade de algo… Então compramos, compramos e compramos mais, na fissura de acalmar esse estado interno. Procuramos o tempo todo estar “ligado” à alguém, pelo Facebook, WhatsApp ou nas conversas fantasmas para lidarmos com essa falta. Em ambos os casos o consumismo aflorando, sendo no primeiro na busca cega pelo produto perfeito que nos satisfaça totalmente e no segundo procurando consumir outras pessoas.
   É justamente nesses casos que a reflexão “Procurar dentro de si o que te falta” abrem uma janela nova em nossa mente para se pensar em como estamos lidando com nós mesmos; em que medida procuramos sanar nossas necessidades com recursos próprios de nosso ser. Se busco insistentemente estar conectado a alguém, não deveria antes buscar se conectar comigo mesmo como o primeiro canal de comunicação? Na busca desenfreada por bens materiais, que tal pensar um pouco sobre a necessidade real que leva a esse objeto, validade em sua vida de uma maneira que supere o agora e se tem como satisfazer sem se tornar proprietário e nisso consequentemente se apropriar de uma dinâmica pessoal.
   Ideias e questões essas lançadas com o intuito de auxiliar o leitor ou leitora a ir além do óbvio. A começar a perceber que não só existe uma realidade externa, mas também uma realidade interna que demanda atenção e cuidado. Tentar resolver o problema da solidão ficando em meio a muitas pessoas pode parecer um caminho certo e fácil, mas que pode esconder uma armadilha, que no óbvio não é compreensível, exigindo refletir e abrir a mente para se pensar qual o sentido da solidão nesse momento da vida? Como posso tornar a presença do outro mais verdadeira e com tom de companheirismo, ao invés de se limitar em apenas “ocupar” um espaço físico-temporal com conversas vazias e alienadoras de vinculo?
conheçate ti mesmo
   O primeiro passo para quem busca atender uma necessidade ou suprir uma falta, é voltar os olhos para dentro de si e buscar compreender o porque dessa necessidade/falta. Posteriormente procurar dentro de si a resolução dessa questão. Pois não se pode tornar um bom companheiro ou ter uma vida realizável, quem projeta no outro a sua incompreensão sobre o seu mundo interno e faz do outro um mero objeto de realização de necessidades.
   A opressão desumaniza as pessoas e as relações e passa a classificar o ser humano como um objeto. Não escutar a si, não olhar para dentro de si, não sentir-se (…) são expressões de uma violência cultural terrível que ganha terreno no mais intimo do humano.
   Sem sombra de dúvida que tudo isso defendido aqui não significa desconsiderar o outro e a comunidade, alias o cuidar de si nessa perspectiva visa fortalecer o eu para concomitantemente engrandecer o nós.
   Por essa perspectiva espera-se contribuir para que o indivíduo em sua breve passagem pelo mundo não se definhe em um egoísmo e leve a vida à “empurrar com a barriga”. Mas que essas palavras sejam o nutriente de uma subjetividade forte e rica – e explicando esse rica, evoco minha mãe: rico de espírito!

Rua Conceição
Michel Cabral

domingo, 18 de dezembro de 2016

Curso de Jardinagem - Relato de uma experiência

   Após retornar das férias em julho, fui convidado à acompanhar a primeira aula do curso de jardinagem do "Projeto Parceiros da Cidade: Mãos amigas" executado pelo Ceprocamp (Centro de Educação Profissional de Campinas-SP). Não foi uma participação sem conhecimento de causa, pois desde o inicio da elaboração do projeto, estive presente no Fórum de População em Sit. de Rua, seminários setoriais, discussões no abrigo que trabalho e votações no legislativo. 
   Esse projeto começou a ser engendrado ainda em 2015, pensando na profissionalização e criação de uma oportunidade de trabalho remunerado para as pessoas em situação de rua. Era esperado que em 2016 o projeto Frente de Trabalho inicia-se em sua integralidade, mas por ser um ano eleitoral e a lei não permitir a criação de um incentivo financeiro nessa época, o mesmo foi adiado. Mesmo assim profissionais e usuários trabalharam pela realização de pelo menos o curso no momento. 
   Dificuldade e esforço marcaram todo esse projeto. Em uma aula aprendi que a arvore Ipe Amarelo costuma dar mais flores e com a cor mais viva após atravessar um período de intensa seca. Comparando com o nosso projeto, passamos por um período difícil como a seca, mas foi justamente por isso que despontamos flores maravilhosas, sendo no caso aprendizagens, experiências e vivências únicas.
   Acompanhando ao longo das aulas, fui me perguntando qual era o meu papel no espaço: De apenas um profissional que vai junto? Ou um mediador de relações, motivador e auxiliar de organização? Observando a prática e os retornos que ia tendo, fiquei com a segunda alternativa. No fundo eu estava mediando o diálogo entre os pares, "administrando" conflitos, motivando os estudantes para continuarem, refletindo sobre a experiência, auxiliando a turma em suas dificuldades. Estava sendo uma ponte necessária entre o desejo de aprender/participar e à realização/concretização.
 Olhando os estudantes estava nítido que mais que uma profissionalização, estava em cheque a construção de novos horizontes internamente a cada individuo; a auto-estima, animo e organização mental estavam sendo trabalhados, de forma indireta. Sementes sendo plantadas no coração de cada batalhador.
    Como psicólogo social e educador social, compreendo que esse fenômeno não estava se dando apenas nos estudantes, mas em todas as pessoas envolvidas. Desde a minha singela pessoa, passando pela Profa. Claúdia, pelo Coord. de projeto Toninho, até os profissionais que não estavam no dia a dia, mas apoiavam. Por isso e mais era tão importante ser sensível as intervenções adotadas. Cada pessoa tinha um significado/sentimento sendo edificado.
   A vulnerabilidade social que as pessoas em situação de rua enfrentam, como desemprego, fragilidade ou rompimento de vínculos sociais e familiares, falta de um sentido para a vida, dificuldades psíquicas e emocionais, não são exclusivos desse segmento, mas estão de forma acentuada neles. É um conjunto de fatores que influencia o indivíduo em sua ida para as calçadas. Não diferentemente, por vivermos uma sociedade opressiva, também experimentamos esses aspectos e que nos colocam em risco. Ficar em situação de rua é um acontecimento que pode ocorrer a qualquer um.
   Trabalhar e lutar pela transformação dessa realidade tão dura, envolve compreender que em certa medida, o público alvo são todas as pessoas. Uma que se encontra na rua e necessita de apoio para sua saída; e outra que ainda não estando, necessita de prevenção, que implica em cuidarmos da forma com a qual nos relacionamos, na forma como nos valorizamos, nas ideias que propagamos e no fortalecimento da comunidade.

Imagem: Peneirando areia no MIS; Ao lado de um jatoba de mais de 80 anos na Mata Sta. Genebra; No Viveiro Municipal de Arvores; E no Viveiro Municipal de flores

   A imagem acima representa o meu esforço nas aulas, sintetizando teoria e prática. A foto foi registrada em diversos locais do município de Campinas. Sendo que a estrutura proporcionada de poder estar visitando esses locais e tendo aula, proporcionou muita qualidade.
 Foram praticamente seis meses acompanhando homens e mulheres, conversando sobre o tornar-se jardineiro, falando sobre o processo de metamorfose em nossas vidas. 
   Concluo mais essa etapa do meu trabalho tendo sido reforçado o elemento psicossocial de minhas reflexões e intervenções. Essa experiencia ficará na minha biografia e entrará para a história de Campinas - SP. 

Deixo para os internautas ainda o discurso que proferi no evento da formatura na sexta-feira dia 16/12/2016. Repito um trecho da minha fala que segue no vídeo: 

"Como um buque de palavras entrego esse discurso como um muito obrigado à todos e todas!"


Rua Conceição
Michel Cabral

sábado, 10 de dezembro de 2016

No ar Rádio Pitaco

   O advento da tecnologia e dos novos meios de comunicação e acesso a informação tem exigido que os educadores do séc. XXI se mantenham atualizados e busquem em suas práticas educativas cotidianas integrar esses novos recursos. Acompanhando o desenvolvimento social e cultural de nossa sociedade, o curso de pós graduação "latu sensu" em Pedagogia Social do Unisal/Campinas-SP mantém disciplinas em estreito diálogo com as demandas sociais e com as propostas alternativas de educação. Para representar esse compromisso de formação, a disciplina de "Redes Sociais: Planejamento, Estrutura e sustentabilidade" apresenta as principais teorias e conceitos relevantes para a reflexão da temática.

Da esquerda para direita: Luci, Márcia, Rafaella, Lilian, Rosiene, Fernando, Amanda, Eliane, Michel e Odair.

   No ano de 2015 iniciou mais uma turma de pós em Pedagogia Social, sendo que apenas oito estudantes continuaram no curso, sendo: Márcia, Rafaela, Lilian, Rosiene, Fernando, Amanda, Eliane e Michel; a coordenadora de Pós em educação é a Luci e o professor da disciplina de Rede Social é o Odair (imagem acima). Março de 2017 é a previsão de encerramento dessa especialização.
   Contribuindo para a construção da memória de cada estudante, profissional e do curso, no segundo semestre de 2016, na disciplina citada, foi elaborado e produzido um áudio de radionovela. Essa obra retrata o ambiente escolar brasileiro e a mediação de um educador diante de uma discussão acerca de ditadura e o Projeto "Escola sem partido". Todos os estudantes participaram dessa produção e até mesmo foi dado um nome para a rádio, sendo Pitaco. No link abaixo é possível ouvir o áudio:



   Mais do que proporcionar a aprendizagem de novos conteúdos e de discussões valorosas para a prática profissional, essa pós possibilitou a criação de vínculos preciosos entre pessoas de diferentes formações, experiências e histórias de vida. O cotidiano de aulas, conversas, trabalhos, piquenique, restaurante, bar e confraternizações, proporcionaram o aprofundamento da reflexão sobre a importância da pedagogia social no campo social. 
   A gravação desse programa de rádio sintetizou um esforço individual de sonhadoras e sonhadores; de pessoas que acreditam e constroem um mundo sem desigualdade e opressão; em suma, de testemunhas de uma nova forma de se relacionar e construir história! 


Créditos

Estudantes de Pós em Pedagogia Social:
Amanda, Eliane, Fernando, Lilian, Márcia, Michel, 
Rafaella e Rosiene
Odair - Professor Orientador da pós em Pedagogia Social

Unisal 2016

*Qualquer uso dessa mídia deverá ser solicitado autorização ao grupo pelo e-mail: pedagogiasocial20151@gmail.com ou michel3cabral@gmail.com
**Para mais informações sobre a produção da radionovela ou contato com algum dos autores, deverá ser enviado uma mensagem para os e-mais anteriores
***Mais informações sobre a Pós em Pedagogia Social deverá procurar a secretaria academica de pós graduação do Unisal/Liceu Campinas-SP




Rua Conceição
Michel Cabral

domingo, 13 de novembro de 2016

O valor não está na carteira

   A reflexão sobre os valores é uma questão eminentemente do campo ético enquanto teoria e da vida de forma geral na esfera prática. Qualquer ser humano em sua liberdade de escolha está sendo influenciado por um sistema de valores, o mesmo sabendo ou não. Viver em relação a outros humanos, com a natureza e o mundo, implica em uma moralidade, que é construída coletivamente e historicamente. Alias é por meio da moral que a comunidade existe, sendo que os valores atuam como um laço entre as pessoas, nutrindo à vida comunitária.
    Não podemos pensar a ética para além do mundo humano; não há moralidade entre os animais, pois fazem o que fazem determinados pela bagagem biológica. Diferentemente, o ser humano tem um aspecto biológico, mas devido às transformações na espécie, desenvolveu características que superaram as limitações mundanas, como: a consciência, memória histórica, linguagem etc.
    Por sua vez a moralidade construída nas relações e no seio da vida em comum não significa necessariamente o “bem ou certo por si mesmo”, mas a busca incansável da humanidade por encontrar normativas e valores que consigam expressar a maioria e principalmente concretizar a existência da comunidade com a realização e existência de seus pares.
  No Brasil de antigamente havia alguns valores que hoje já são considerados desnecessários e criticados por seu teor racista e machista, como a própria condição da mulher para ser valorizada precisaria casar e manter a relação a qualquer custo, sendo o contrario um problema moral da época; nos casos das pessoas negras, o convívio afetivo entre branco e negro não era algo aceito e era alvo de desvalorização. Essa moral estava embasada no sistema de dominação do período*.
    Outra situação é que as sociedades constroem um sistema de regras jurídicas e sempre buscam justificá-las pela moral; há leis e ações ditas como licitas, que mesmo na temporalidade vivida por um povo, são consideradas imorais e dão margem para a luta pela transformação. No passado fez parte da legalidade empregar uma pessoa por 18 horas diárias, além de colocar no interior das fábricas crianças na produção; diante dos movimentos sociais da época, da construção de uma nova moralidade, fez-se o questionamento das práticas sociais: é certo uma pessoa se matar de trabalhar?!
      É nesse ponto que o debate mostra que a moral é o sistema de valores de um sistema, grupo e parte de uma ideologia. Por mais puro que as pessoas achem os valores, seus significados são disputados; além dos valores que claramente expressam os interesses de alguém. A moral precisa ser compreendida como algo sendo construído, mantido e transformado.
    Em nossa sociedade, a moralidade está em sintonia com o capitalismo e os interesses da classe dominante. Exemplo são os valores de consumismo e individualismo que regem as relações, sendo transmitidos sutilmente no dia a dia e que impactam a forma de decidir e viver. Ter valor ou ser alguém valorizado, é ser alguém que só pensa em si e tem poder aquisitivo. Essas são as mensagens escondidas em propagandas de produto, novelas, programas de rádio e conversas informais.
     Mesmo os valores reconhecidos como positivos têm os seus significados assediados constantemente. Basta pensar na própria palavra ética que vire e mexe é vista no discurso de empresas que exploram seus funcionários e destroem o ecossistema, mostrando clara incoerência.
        Nesse cenário a máxima é: o valor está na carteira! Está no seu poder de ter e não ser; na quantidade de dinheiro que tem; nas propriedades que acumula; na mentalidade predatória de consumir e consumir. Se for pensado que o sentido da moral é a comunidade, pode-se então concluir que esse sistema não tem moral.
   Por outro lado, se não há valores, as pessoas precisam problematizar o que consideram valores humanos. Voltarem os olhos para dentro de si indagando se aquele valor que justifica o seu ato considera a si, o outro e o mundo de forma geral. Em suma, construir novos valores de sociabilidade e o significado real daqueles existentes. Isso é luta de uma pessoa e da coletividade; do individuo em seu cotidiano e da coletividade que vislumbra um novo mundo, onde o valor não está na carteira, mas no interior de cada ser humano que se relaciona com outro humano.


Imagem: O valor que uma pessoa tem, cultiva e baseia os seus comportamentos está onde?
Na imagem a ideia de alguém sem cabeça para pensar e sem pés que o sustentem como referencia a alguém que perdeu-se de si e da comunidade na busca irracional pelos valores na carteira




 Rua Conceição
Michel Cabral



*Mesmo com a evolução histórica da sociedade, o autor não ignora que o racismo e o machismo persistem prejudicando o convívio humano.

domingo, 6 de novembro de 2016

Influências da cultura no Desenvolvimento Humano

   O tornar-se humano é um fenômeno que envolve aspectos biológicos, ambientais, históricos, políticos e culturais. Apenas com a estrutura orgânica não seria possível um ser com pensamento, linguagem e toda uma cultura edificada pelo comportamento humano; elemento esse que expressa tudo o que temos hoje. Foi necessário um suporte biológico em interação com um meio, o tempo histórico de apropriação por diferentes gerações de saberes e práticas, e o intercambio de pessoas em consenso ou disputa de projetos de sociedade. Em comum nas interações cotidianas, a cultura atua como mediadora no desenvolvimento de cada indivíduo e na manutenção ou transformação da sociedade, sendo necessário refletirmos sobre aspectos fortalecedores ou destrutivos da cultura.
   Ser alguém e estar em um mundo com uma determinada conjuntura política e social, reflete a influencia cultural transmitida por meio de palavras, conceitos e significados que são apropriados pelo sujeito na vida diária. A existência de uma prática, como passar 8h do dia no trabalho e ter sua vida norteada por esse fazer, só é possível por ter sido construído coletivamente pelas pessoas ao longo do tempo, em meio a concordâncias e disputas. 
   Como parte do desenvolvimento nós nos apropriamos de discursos e ações, que vão moldando o nosso ser e as nossas relações com o entorno. Não necessariamente apenas nos adaptamos a cultura dominante, mas também rompemos com o que é apresentado como dado e buscamos a partir do sentido que atribuímos, transformar a realidade (posicionamento político que possibilitou ao longo da história a superação de limites e estados de estagnação).


   Mesmo que a cultura seja um componente importante do desenvolvimento humano, que torna real o ser falante que somos, as estruturas mentais para lidar com a realidade tão adversa e a nossa sociabilidade que possibilita a construção de uma sociedade, não podemos pensá-la de forma neutra e desvinculada de interesses econômicos e de grupos sociais.
   No parágrafo anterior foi citado a adaptação a cultura dominante que em ultima instância é a cultura do capitalismo e de uma sociedade opressiva. Essa cultura tem a sua lógica de existência, seus valores, práticas sociais, verdades/mentiras, padrão de normal/anormal, referencia de beleza e etc. Elementos que influenciam o desenvolvimento humano e disputam no cotidiano a sua manutenção, sendo em elementos puramente abstrato, como no campo concreto, do se fazer-se alguém (identidade pessoal, pertencimento a grupo, valores e na biografia do sujeito). 
   Esse texto parte da tese de que a cultura dominante é destrutiva e representa o que há de mais podre na existência: desigualdade social; extrema vulnerabilidade econômica e de projeto de vida dos povos; uso inadequado e abusivo dos recursos naturais; valorização de comportamentos anti-sociais como individualismo e consumismo; e a própria violência cotidiana atingindo as pessoas.
  Viver implica termos consciência do mundo em que estamos e o significado por trás do que é mantido socialmente como normal. Com um olhar atento, identificar traços da cultura destrutiva em nossa vida. 
   E de tamanha importância também, identificar os elementos "positivos" da cultura que nos auxiliam em nosso desenvolvimento saudável, na luta pela superação de situação desumanas e na nossa realização enquanto gente, tendo como exemplo, a cooperação, interação social, altruísmo, democracia.
   E por fim, deixar registrado que esse texto é apenas um recorte pequeno de toda discussão sobre desenvolvimento humano e na própria linha de reflexão adotado, faltaria discorrer sobre o significado das palavras (que não é algo pronto e neutro), ficando para uma próxima ocasião.



Bibliográfia/Inspiração:

Ratner, C.  O que é psicologia da libertação? é psicologia cultural. In Psicologia Social para américa latina, Guzzo, R. S. L. & JR Lacerda, F. Editora Alínea. 2 edição. Campinas: 2011.



Rua Conceição
Michel Cabral

domingo, 30 de outubro de 2016

Laços apodrecidos e a vida pelas ruas

Uma imagem da comunidade humana
  Um fenômeno presente nas principais metrópoles é o das Pessoas em Situação de Rua, que são caracterizados como pessoas sem uma moradia convencional, de vínculos familiares rompidos ou fragilizados, de laço comunitário enfraquecido e de extrema vulnerabilidade social.
  Em uma cidade como Campinas-SP é fácil pelas ruas do centro se deparar com uma pessoa deitada em alguma escadaria ou nas "barracas de papelão e lona" encontrar com um ser humano passando por essa situação.
 Trabalhando há 2 anos com esse segmento na política pública de assistência social, desenvolvi uma visão acerca dessa problemática e procuro nesse texto compartilhar com as pessoas que tem a necessidade de embasar suas reflexões acerca de um assunto delicado e que requer delicadeza no trato.
  Há duas dimensões para se pensar a questão, sendo a primeira superestrutural, que se refere a forma como a sociedade se organiza, o sistema econômico e social, a cultura colonial que somos herdeiros, o senso de comunidade fragilizado e o capitalismo de forma geral; em um segundo momento há questões infraestruturais, que reflete aspectos da vida diária, da própria subjetividade do sujeito e dos relacionamentos. Ambas dimensões existem de uma maneira dialética, uma alimentando e construindo a outra, sem poder dissociá-las na reflexão.
  O sujeito observado andando pelas ruas do centro de Campinas revela elementos "cruéis" de uma sociedade capitalista, onde o direito à uma vida digna é apenas discurso de campanha eleitoral e no calendário da agenda política se sobrepõe a lógica do lucro. Também observa-se a ausência do direito à moradia e o direito ao trabalho e renda, ainda mais em tempos de crise econômica em que o sistema dá indícios de seu esgotamento e acalora ações de caráter higienista e desumano. Não mais importante, o fato de existir uma pessoa dormindo na calçada expõe que não há comunidade no seu entorno, no máximo um agrupamento de indivíduos também lutando por sua sobrevivência e ignorando o fato que compartilham junto com o morador de rua da fragilidade de laços comunitários.
 A forma como nos relacionamos cotidianamente e edificamos essa sociedade, são as bases para a miséria e a vulnerabilidade que a humanidade enfrenta. Visualizar no outro apenas o meio para a satisfação dos nosso desejos; desconsiderar a convivência como criadora/mantenedora de saúde mental; viver (será?) no individualismo, imediatismo e puro materialismo; e a falta de diálogo, são ingredientes necessários para a pauperização de nossa existência.
 As pessoas que fazem da marquise a sua casa, são expressões de uma polis doente, onde o amor de conviver e se preocupar com o outro é secundário. Talvez por isso, brota o comportamento do abuso de álcool e outras drogas na rua, para se anestesiar do organismo doentio e esquecer que faz parte dele.
 Em meio a essas reflexões escuto: - Mas são pessoas perigosas, agressivas e violentas - branda a senhora no saguão do prédio. Na falta de paredes e um teto, conseguimos observar a violência de um homem que tenta bater no outro; na ausência de privacidade nos deparamos com uma briga verbal; o senhor que passou o dia se esgueirando da GM, senta-se sob a porta de uma loja e como qualquer ser humano, ainda mais sem ter alguém para conversar, desabafa em voz alta sua tristeza, raiva e chateamento pela situação: - Vão tudo tomar no cú, eu mato um por um, não aguento mais, caramba. A senhora do saguão do prédio não precisa se preocupar de ser classificada de violenta, a privacidade da sua casa impede das pessoas ouvirem alguma ameaça, ofensa ou coisa pior verbalizada em seus aposentos.
 É no viver (?) automático que vamos perdendo a nossa humanidade; é na falta de diálogo que os laços comunitários vão apodrecendo; e a realidade imperiosa de uma sociedade falida que vem bater a nossa porta e lembrar que se não fosse pelos limites burocráticos de um CEP, uma escritura, conta bancária, diploma, paredes e portão, conseguiríamos observar que o mesmo problema que aflige as pessoas em situação de rua, vez ou outra, vem nos visitar dentro de casa. 
 É nessa hora que eu me lembro que preciso cuidar dos pequenos "jardins de gente" que faço parte, de outros não poucos que existem e lutar para fazer florescer outros pequenos "jardins de gente" que previnem o apodrecimento dos laços comunitários. E ter a esperança de quem batalha no mundo das ideias e da prática, de que um dia, a rua apenas seja local de passagem para os seres humanos e não local de "moradia".



Michel Cabral
Rua Conceição (Primavera)

quarta-feira, 19 de outubro de 2016

Assertividade & Convivência

   O que mais eu devo aprender para "crescer"? Pergunta corriqueira na qual uma das possíveis respostas é: aperfeiçoar a forma de se relacionar com as pessoas. Para isso há a assertividade, muito comum nos discursos de empresas e um rico conceito para se refletir na maneira que nos comportamos, expressamos e convivemos.
   A natureza social do ser humano faz com que o indivíduo necessite estar em contato com outros indivíduos estabelecendo vínculos e identidade coletiva. Devido a evolução da espécie ultrapassamos a necessidade básica que corresponde a esfera fisiológica (comida, sexo, água, respiração, sono, sobrevivência) e atingimos o patamar da necessidade de Realização Pessoal, que engloba pertencimento a um grupo, aceitação dos pares, reconhecimento e estima dos outros, criatividade, uso de funções psicológicas que nos auxiliem a lidar com a realidade. Percebe-se no desenvolvimento e na satisfação a presença de outras pessoas. O autor desse texto só conseguiu chegar nessa reflexão porque antes houve uma mãe que conversou, uma professora que ensinou, uma vizinha que aconselhou etc. Ainda que fruto de uma ação solitária (de redigir o texto agora de madrugada) houve relação interpessoal.
   Dessa forma a qualidade dos nossos relacionamentos funciona como um termômetro do nosso desenvolvimento enquanto gente; estamos estagnados ou em um processo de transformação? Diante disso precisamos pensar em como cuidamos de nossa convivência: ignorando, mantendo uma postura agressiva/violenta ou nos comportando assertivamente?
    Assertividade é um comportamento que engloba a forma como nos relacionamos, nos expressamos e de como cuidamos de nós. É ser adequado e respeitoso no contexto na qual nos encontramos; é o esforço individual para estar no mundo com o outro de uma maneira harmoniosa e construtiva. 
   Tarefa difícil em tempos de opressão e capitalismo selvagem, onde vale o lucro acima da vida e o individualismo como forma de viver em sociedade. Mas é justamente por esse cenário que torna-se urgente buscarmos ao final de cada dia refletir sobre como tratamos o outros e junto com o despertar do dia seguinte, procurar fazer diferente, agregando riqueza (além do material) à nossa convivência.
   É essencial cuidarmos da convivência diária, pela nossa saúde e vida. Tão importante quanto fazer novos colegas e amigos, é fundamental mante-los, por isso o tema aqui refletido.
   Por fim, para ampliar o pensamento sobre a assertividade, alguns saberes e práticas precisam ser cultivados:
  • Trabalhar a expressão corporal e a tonalidade da voz, pois um corpo em descompasso com uma frase, gera prejuízo
  • Criar estratégias para lidar com as emoções, pois os sentimentos podem trair nossas intenções e projetos
  • Desenvolver a escuta como canal de compreensão do outro
  • Conhecer mais a si mesmo
  •  Buscar pensar em meios para fortalecer as relações humanas
Existem mais saberes e práticas na cultura que cada um se encontra, por isso o objetivo principal do texto é trazer a tona a discussão sobre Assertividade e comentar sobre alguns caminhos. Agora cabe a você encontrar mais rotas...


Michel Cabral
Rua Conceição, 20 de Outubro de 2016 (Primavera)

domingo, 16 de outubro de 2016

Conhecer a si como parte da descoberta existêncial

   Uma volta pela cidade, acesso à internet ou tempo em frente a TV e logo nos deparamos com o anúncio de que é necessário conhecer e ter um conhecimento, que na maioria (senão em todas as propagandas) é representado pelo conhecimento oferecido por instituições privadas. Faça faculdade disso, curso daquilo, aprenda caso contrário você não tem colocação no mercado etc são ideias divulgadas com tamanha naturalidade que geram um certo pensamento e sentimento na população.
   Primeiramente alimentam o conceito de que educação é restrito as instituições; segundo de que o saber precisa ter utilidade para o mercado; e por ultimo rejeitam uma necessidade, que ao meu ver, é primordial para as pessoas em suas vidas, que é o do autoconhecimento. Vou refletir as três dimensões que apontei mostrando as causas e implicações para a vida cotidiana.
   Difundir que a educação é limitada a quatro paredes, a uma diretriz curricular ou mesmo a um diploma, ignora o fato de que a educação é essencialmente social e está presente nas relações humanas, assim nos mostrou Vigotski em seus estudos sobre o desenvolvimento humano onde a cultura transforma o organismo em pessoa, tendo um processo de aprendizagem vivo; Paulo Freire ressaltou a função social quando nos auxiliou a pensar em uma educação presente na comunidade (daí a educação popular). Reduzir o conhecimento a instituição apenas atende a ânsia do capital em torná-la mercadoria.
   Quando se associa a ideia de que o conhecimento apenas serve ao mercado, aniquila o seu potencial de transformação dos indivíduos e da própria sociedade. Podemos pensar no idioma português na qual aprendemos ainda pequenos com as pessoas próximas (família, comunidade) e aperfeiçoamos no ambiente escolar, sendo útil na nossa vida diária para nos relacionarmos ou mesmo para pensarmos e também no mundo do trabalho. Pela própria força esse saber não se restringe a um campo. O conhecimento precisa ter sentido em nossa vida em geral e não apenas em um segmento, esse é o problemático do capitalismo que busca reduzi-lo a uma área, dessa forma empobrecendo a pessoa que o assim faz.
   E não mais importante, mas por ultimo, o autoconhecimento é desconsiderado. Quantas vezes ouvimos alguém falar da importância de conhecer a si mesmo? Voltar-se para dentro buscando entender-se , compreender sua história de vida, seus sentimentos, sonhos etc é relegado a um papel menos importante ou não é discutido pela sociedade.
   Como poderei conhecer a história de uma cidade, o saber de um instrumento musical ou os segredos de uma operação matemática, se antes, não conheço a mim mesmo? Não sei o que pode me motivar a estudar, não sei quais são meus sentimentos sobre essa cidade, desconheço em quais sonhos poderei aplicar a canção que vier a criar, ignoro os segredos que fizeram eu ser eu, sou em ultima instância alguém que quer conhecer o externo desconhecendo o interno.
   Grande risco de numa empreitada como essa minha pessoa se perder pois deixou de visualizar o mapa de si; se abater pelos desafios (que são naturais) pois não sabe de sua própria história de quedas e superações; ou mesmo confundido por um sentimento que rompe a resistência do seu olhar-se para dentro.
   Precisamos continuar procurando aprender e saber mais, participar de processos educativos, dentro e principalmente para além das instituições. Resgatar o sentido original do termo educação que remonta as comunidades primitivas. Querer conhecer o mundo em comunhão com a busca de conhecer a si mesmo!


Esse foi um pequeno ensaio sobre o saber, conhecimento, autoconhecimento e educação popular. Algo feito com a simplicidade de um ser humano contente por estar nesse mundo com seus prazeres e dores.




Michel Cabral
Rua Conceição, 16 de Outubro de 2016
Domingo à noite (Primavera)

segunda-feira, 5 de setembro de 2016

Transformando a nossa realidade interna

   Com tudo que nós passamos, sentimos e vivenciamos referente a realidade, que na maioria das vezes contraria os nossos desejos e planos, é necessário elaborar isso e externalizar afim de produzir algo. Em ultima instância é entrar em processo de sublimação (arte e cultura) criando algo inédito, entenda por isso algo que nos faz ultrapassar o ordinário, fazendo de nossa vida a expressão do extraordinário.
   A realidade externa é o que nos alerta sobre o nosso limite corporal, mas é também a mesma que sinaliza para a possibilidade de nossa superação material; marca o fim da terra e anuncia o começo da água, que não necessariamente precisa ser o "até onde consigo ir". Se o mar se abre em sua imensidão poética, o navio se faz desbravador em sua ondas de versos.
   Faz parte da humanidade sentir vontade e construir metas e objetivos a curto e longo prazo, fato que enche o mundo de sentido. É nesse intervalo entre o nascer e o morrer que vamos almejando e testando até onde conseguimos chegar. Se morremos na terra de mente e coração secos, pobres em nosso intimo; ou se arriscamos em enriquecer nossa subjetividade de experiências e histórias únicas. É fundamental advertir também que há o mar e o nosso desbravamento em vida dele e isso pode significar morrer afogado de tantos projetos e prazeres, por isso é essencial organizar o sonho no cotidiano, pois o sonho vai se tornando realidade.
   Se brota a emoção em nosso coração, retorna em nossa memória o passado e a vivência nos desafia, é crucial dar-lhe caminho para a expressão: sublimemos então! Isso significa fazer do nosso ser arte e cultura, tanto para sobreviver, quanto (principalmente) para viver, para sermos seres que vão além do pão e da água, chegando a declamação e a dança!!!
   Quando a gente menos esperar, estaremos passando pelo processo de metamorfose, fazendo surtir dos nossos casulos lindas borboletas saltitantes e voadoras, ricas para cuidarem dos jardins que são as nossas cidades e países. No fundo é disso que necessitamos: de borboletas.


Rua Conceição, 5 de Setembro de 2016, Campinas-SP
Michel Cabral