quinta-feira, 7 de setembro de 2017

23° Grito dos Excluídos

   O tema do Grito desse ano é "Por direitos e democracia, a luta é todo dia" e está em sua vigésima terceira edição, reunindo pastorais da igreja católica, movimentos sociais, entidades da assistência, saúde e educação, centrais sindicais e partidos. Ocorre todo dia 7 de setembro depois do desfile civil-militar que comemora a independência do Brasil.
  Esse evento tem por objetivo dar visibilidade as pessoas excluídas de nosso sistema e fomentar o protagonismo político da população. É uma manifestação pacífica, apartidária e que soma as diferenças forças sociais. Surgiu no seio da igreja católica e tem apoio de setores progressistas.
    Ocorre após o desfile de 7 de setembro justamente para contestar a ideia de independência nacional e força econômica e política. Se realmente somos independentes como país, como explicar as empresas brasileiras e as riquezas que são entregues para o capital estrangeiro? Como explicar a nossa força, enquanto milhares de pessoas moram nas ruas e outras passam fome em "barracos"? É para trazer a tona essa contradição que desfilamos com bandeiras, faixas e gritos e protestamos contra a exploração do capitalismo, a corrupção das empresas em conluio com o governo e pela falta de medicamento nas Unidades Básicas de Saúde.
   Nesse ano de 2017 tive a oportunidade de participar da organização do Grito de Campinas-SP indo nas reuniões e ajudando na divulgação. Fiz dois vídeos falando sobre o evento e no dia do ato dei uma entrevista para o programa Band Cidade da Bandeirantes. Segue algumas fotos:




   Agora o próximo passo é manter a luta nas ruas e participando da política como uma forma de melhorar o mundo em que vivemos. Sempre com a bandeira de considerar o outro como parte da comunidade (evitando processos de exclusão) e da luta; reivindicando os direitos básicos como saúde, assistência social, educação, moradia e emprego; e nas conversas cotidianas defendendo a postura de sermos ativos na luta pela transformação social.

Para finalizar deixo uma reflexão que eu fiz na vespera do Grito de 2017 postada no facebook:

"Qual a coerência de alguém que defende linchamento e assassinato de pessoas que erram e depois vai em um templo e "louva, ora e segue" alguém que há séculos atrás defendia pessoas que também erravam?
Fora que não estou falando de impunidade, pois esse mesmo ser humano de 2000 mil atrás já falava em responsabilização. Mas isso nada tem a ver com punição e exclusão, ou qualquer tentativa de machucar o outro em nome do "bem", não passando de uma extravasão de sentimentos, valores e pensamentos mal resolvidos. Eliminar/excluir o outro não é uma forma de tentarmos apagar algo que está vivo em nosso interior como algo depositado na gente pela cultura da opressão (a violência)?
Não seria o caso de lidar com isso assertivamente e no lugar da violência construirmos a nossa autonomia e meios mais humanos para lidarmos com os mais variados conflitos do dia a dia?!
Fica a reflexão 
Amanhã 23 Grito dos excluídos 
As 09:00 no Largo do Pará
Michel."


Rua Conceição
Michel

domingo, 27 de agosto de 2017

55 anos de Psicologia no Brasil

   Nesse dia 27 de Agosto de 2017 a psicologia completa 55 anos de existência no Brasil. Como parte da comemoração está sendo realizada uma campanha nesse mês de agosto intitulada "#Psi55anos: Toda psicologia nos interessa", sendo divulgada pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP).
    A lei que regulamenta a profissão de psicólogo e dispõe sobre os cursos de psicologia no Brasil é a N* 4119/1962 sancionada no dia 27 de agosto durante o governo de João Goulart. Sendo que essa lei expressa sobre a existência dos cursos de psicologia, exercício e funções privativas. Posterior a esse lei temos a N* 5766/71 sancionada durante a ditadura civil-militar pelo governo ilegitimo de Emílio Médici, que dispõe sobre a criação do Conselho Federal de Psicologia e dos sistemas de conselhos regionais, sendo que é da alçada dessa autarquia pública fiscalizar, orientar e disciplinar o exercício profissional.

Imagem de divulgação do CFP
   Para esse dia especial retomei a reflexão sobre a influência das outras pessoas no nosso desenvolvimento, sendo que apenas pela interação social, a linguagem, o pensamento, a imaginação, criatividade, ciência, filosofia (...) surgem e se desenvolvem. Ninguém torna-se humano isolado da cultura ou de outros seres humanos. Vamos nos humanizando no contato e vinculo comunitário. Vigotski compreendeu bem esse raciocínio e divulgou por meio dos livros: A Formação Social da Mente e A construção do pensamento e da linguagem.
 No Brasil uma pensadora que reiterou os ensinamentos vigotskianos é a Silvia Lane da PUC-SP com uma perspectiva sócio-histórica. Uma boa ideia explorada por ela foi com relação a infra-estrutura, referente a forma como nos relacionamentos no cotidiano, construímos cultura pela base e mantemos a super-estrura, correspondente a sociedade, economia e política. Nessa linha de racíocinio, não há opressão sem oprimidos e opressores, mantemos na base esse sistema por meio da forma como tratamos o outro: como um sujeito ou objeto.
   Ambos autores trazem contribuições importantes para se construir uma psicologia comprometida com a libertação humana. Fica as indagações para nós da psicologia: como estamos auxiliando as pessoas a concretizarem seus projetos de vida? e qual a revelancia de nossas intervenções para o fortalecimento da comunidade?

Imagem em homenagem ao 27 de agosto com a imagem dos principais teóricos





Michel Cabral
Rua Conceição
Mês folclórico 

segunda-feira, 21 de agosto de 2017

Quem é o morador de rua?

   Quem são as pessoas que moram na rua? Essa pergunta é corriqueira nos grandes centros urbanos e evoca as mais variadas respostas das pessoas e dos profissionais que trabalham em serviços que atendem esse público. Por razão  e do dia 19 de Agosto que foi anteontem e representa o Dia Nacional de Luta das Pessoas em Situação de Rua, esse texto propõe mediar um entendimento sobre a questão.
      A Política Nacional para população em situação de rua (Decreto n. 7053) define esse segmento como sendo caracterizado por indivíduos sem moradia convencional regular, habitando logradouros públicos ou marquises e ficando em abrigos públicos; com laços/vínculos familiares e sociais fragilizados ou rompidos; público heterogêneo e que vivenciam a miséria extrema.
     Trabalhando há mais de 2 anos em um serviço de acolhimento institucional para pessoas em situação de rua pude perceber e desenvolver um conhecimento acerca desse segmento, além de constatar o que foi apontado acima.
     São pessoas em sua maioria oriundas de bairros periféricos e que faziam parte de famílias empobrecidas e que estavam em situação de vulnerabilidade social. Antes mesmo de irem para a rua, já haviam sofrido a falta de alimento, saneamento básico e infra estrutura urbana. Famílias que não tinham acesso à educação de qualidade, serviços de saúde e de lazer e cultura.
      A violência policial ou do tráfico já estava presente no território de origem, não sendo uma novidade vivida nas ruas. Alguns relatos de execução de membros da família, ouvi da boca de pessoas que foram morar na rua.
  A baixa escolaridade representada por pessoas que não concluíram o ensino fundamental ou mesmo são analfabetas. Junto a isso soma-se a fragilidade ou inexistência de vínculos empregatícios na Carteira de Trabalho, sendo em um total de 8 meses ou pouco mais para uma pessoa com mais de 35 anos de idade.
     Sendo que podemos concluir que a causa para uma pessoa ficar em situação de rua é multifatorial, ou seja, não há uma causa só, mas várias que se somam. Além do nosso modelo social que possibilita o absurdo de haver gente morrendo de fome, frio e da falta de um teto pelas ruas.
    Não mais importante, mas que faz parte desse fenômeno é o elemento psicológico agravado pelo estar na rua, expresso no formato de sofrimento e na perda de referencia de espaço, tempo e organização da vida cotidiana. A noção do privado e público (espaço) é prejudicada por não se ter essa separação clara na rua. O tempo que em muito se pesa o horário comercial do capitalismo, deixa de ser um referencial e passa-se a ser um tempo de acordar (se a pessoa conseguiu dormir), dormir (tentar), comer (ver o que se consegue), se anestesiar das dores e emoções intensas (uso de substâncias psicoativas ´spas´) e aguardar por algo (sobrevivendo). O organizar-se para buscar um trabalho ou mante-lo, pagar as contas, cuidar de si e dos familiares e próximos, do se socializar e se entreter, fazer planos futuros, vai ficando fragilizado. 
     Isso tudo citado vai enfraquecendo a autonomia do sujeito, a sua liberdade mínima de planejar, executar e se responsabilizar pelos resultados.


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O outro é o nosso semelhante
   O isolamento social (diferente de solidão) vivido por essas pessoas vai prejudicando aos poucos a saúde de cada um. A própria maneira de conviver com o outro vai ficando prejudicada devido a experiência constante da fome, falta de um lar e violência sofrida na rua. Surge então o estado deprimido deixando a pessoa sem energia e iniciativa para as atividades; a ambivalência de emoções representado pela realidade de hora ser beneficiado por alguma coisa boa, como comida ou uma palavra amiga (suscitando a alegria) e outra pela agressão de um porrete e água fria (gerando raiva e tristeza); a própria condição da rua aumenta a agressividade do individuo, sendo um mecanismo próprio para sobreviver em um ambiente tão hostil.
    Diante disso coloca-se o risco de tanto criminalizar os moradores de rua, vendo na expressão de sua agressividade o perfil de um criminoso perigoso que precisamos excluir. E também o risco de patologizar o diferente; nisso me vem o exemplo de um morador de rua aqui do centro de Campinas que anda vestido de "Superman": mas não seria necessário se fantasiar de herói para lidar com tanta dor, privação e violação de direito, sendo um super homem para si mesmo?! Mas alguns vão chamar esse senhor de louco... Se há louco nesse mundo, não somos nós que aceitamos vermos outros humanos em condições tão sub-humanas?
    Mas mesmo tendo escrito essas linhas tentando decifrar quem são as pessoas em situação de rua, sugiro que cada um que ler esse texto, procure conversar com um na rua, buscando saber junto de um ou uma quem ele ou ela é.
Qual é a sua história? Quais são seus sonhos? Como você está se sentindo com essa conversa? Qual o principal sentimento vivenciado na rua?



Michel Cabral
Dia chuvoso, Agosto folclórico
Rua Conceição

terça-feira, 8 de agosto de 2017

Por um mundo...

   ...onde moradia, alimentação, transporte, educação, saúde, lazer, cultura e esporte sejam algo efetivamente acessíveis a qualquer pessoa, independente de cor, idade, origem social. E mais ainda, sem necessidade de contribuição prévia ou pagamento, significando que a pessoa sem condicionalidade nenhuma terá o direito de usufruir de um bem ou serviço. Dessa forma vamos poder concretizar que todas as conquistas que a humanidade alcança chegue para todos os seres humanos.
   Mas aí quem paga a conta ou sustenta um sistema assim? A resposta é simples e profunda: nós. Isso significa que todas as pessoas serão responsáveis por criar e manter essa cultura de autossustentabilidade, ou seja, o individuo com sua mentalidade cotidiana terá o pensamento que mesmo acessando a priori um recurso, precisará contribuir produzindo e trabalhando em prol da coletividade e de si consequentemente (dialética). 
   Isso não exclui a individualidade devido reforçar o peso do nós e da cultura, ao contrário, valoriza verdadeiramente a individualidade, uma vez que em nosso sistema capitalista e na relações interpessoais cotidianas, o sujeito em extrema vulnerabilidade social passa como individuo invisível e suas necessidades, sentimentos, sonhos e dignidade são ignorados pelo modelo de sociedade individualista e consumista que vivemos (mantemos ou rompemos).
   Mas dar a luz a esse novo modelo de sociedade não se restringe somente as transformações sociais, econômicas e políticas no sentido macro que esperamos. Mas significa desenvolver a gestação dentro de nós de valores, hábitos, pensamentos e posturas que ultrapassem o modelo selvagem predominante e façam crescer em meio as pessoas com que nos relacionamentos uma mini sociedade de comunhão com o outro; de querer estar junto com o outro nesse mundo e de se preocupar pelo seu bem estar.
   Isso tem impactos profundos no EU de cada pessoa, na forma de cada um se ver como HUMANO e ver o HUMANO no outro. De sentir suas potencialidades artísticas, esportivas, espirituais e para o trabalho, florescerem. Em suma, o fortalecimento da autonomia do sujeito.
   Podemos falar assim de uma psicologia social da coletividade:
 - Consciência da coletividade
 - Percepção e ação na construção da Cultura da solidariedade
 - Transformação e progresso das potencialidades humanas
 - Evolução das funções psicológicas que diferenciam o humano do animal
 - Fortalecimento e aperfeiçoamento da autonomia
 - Sentir-se na medida do possível autor de sua história de vida!



MICHEL CABRAL
RUA CONCEIÇÃO

quinta-feira, 30 de março de 2017

Sintonia

   Penso, sinto e faço, logo existo como um ser humano integral! Conseguir somar pensamento, sentimento e ação significa fortalecer a autonomia. É mais consciente, livre e realizada a pessoa que consegue integrar seus diferentes aspectos dando uma tonalidade ou marca pessoal que a represente. Isso implica assumir os seus sentimentos e a correspondência deles com os fatos da realidade; se autoconhecer percebendo seus pensamentos e ideias e a relação com o mundo; e por ultimo ser sensível as suas ações e ao rebatimento que isso representa para o outro. 
   Foi com o psicólogo norte-americano Carl Rogers que essas ideias ganharam o conceito de congruência e um aprofundamento reflexivo. Em sua psicologia humanista voltou-se a atenção para o ser humano que busca aperfeiçoar-se e tornar-se mais humano, dando mais oportunidade para si. Quando a pessoa está sendo ela mesmo e mais consciente vemos alguém congruente. 
   A conscientização é a forma como o sujeito aumenta seu olhar e compreensão sobre si e posteriormente sobre o outro e a realidade independente, possibilitando por sua vez, a sua autonomia e maior liberdade em seus atos, escolhas e posturas. 
   Se fulano acredita que caminhando vai ter uma melhor qualidade de vida, sente-se bem com isso e prática em seu cotidiano a caminhada e colhe os resultados de bem estar, vai estar vivendo de forma integral. Caso os resultados o contradizem, pela práxis vai estar podendo se rever e fazer diferente, melhorando a sintonia entre o pensar, sentir e fazer. É em meio a esse processo que a autonomia de quem está sendo governado por si e realizando um bom governo pessoal, vai aflorar.
   Contrário a isso seria um atrito interno. Um desconhecimento do porque ser, pensar, sentir e fazer assim. Uma tendencia de considerar a sua própria realidade como sendo guiada totalmente por forças misteriosas. 
  Esse texto não descarta o conhecimento que parte de nossa realidade é influenciada por forças econômicas, sociais e biológicas, mas que essas forças não determinam quem podemos ser! Apresentam condições e não determinismos.
   Saber dos determinismos e do próprio funcionamento de nossa realidade interna e externa nós dá melhores condições de vivermos. É no fundo a luta pela nossa autonomia e pelo humano que há em nós.
Sintonia como algo a se construir consigo mesmo e posteriormente nas relações interpessoais

   Estar em sintonia consigo é o primeiro desafio para qualquer ser humano que almeja ir além dos limites históricos, sociais e econômicos. É a busca pelo realizar-se em toda potencialidade humana!
  Mas como em outros artigos, destaca-se a necessidade de primeiro olhar para si, entrar em contato com o seu passado, suas emoções e maneiras de se comportar, procurando percebe-las e compreende-las. Isso possibilitando descobrir zonas de conflito em seu eu, como o caso de uma pessoa que tem um passado que continua se fazendo presente e atrapalhando o agora, exigindo elaboração interna e resignificação; ou de alguém que tem dificuldades em lidar com as próprias emoções e precisando olhar isso, passa a conseguir lidar.
   Após esse cuidado consigo, é o momento de olhar para a coletividade buscando perceber e compreender aspectos singulares desse outro.
    Construindo assim a sintonia com o mais intimo  do próprio eu e com a essência da coletividade.



Rua Conceição
Michel Cabral

domingo, 5 de março de 2017

Vivência Não-Violenta

   Convivência é algo da vida que está presente nos mais variados espaços e do qual pouco falamos e pensamos. A forma como somos tratados, como tratamos os outros e a qualidade de nossos relacionamentos perpassa essa dimensão. Tão importante quanto buscar fazer cursos que o mercado exige; conhecer novos lugares; e cuidar de nossos objetos pessoais, é olhar para esse elo (chamado convivência) que nos envolve com o outro.
   Anos e anos buscando me aprimorar em meus relacionamentos e estreitar os vínculos, fui me deparando com alguns desafios. E ao olhar as pessoas interagindo fui percebendo discussões/problemas que prejudicavam a convivência. Então comecei a perceber o quanto a comunicação é a base do relacionamento.
   Saber se comunicar adequadamente ao contexto, ser assertivo em suas colocações e propostas, dominar as principais funções da linguagem e saber expressar para além das palavras indo no significado, são condições para quem deseja se comunicar bem.
   Ou melhor ainda, se tornar uma pessoa que faz o diálogo brotar nos contatos, enriquecendo subjetivamente os participantes. Diálogo que remete as ideias de Martin Buber, que nos ensina esse meio possibilita a relação de um EU à um TU, algo verdadeiramente humano, que respeita as experiências, sentimentos e pensamentos do outro e busca construir um estar junto pautado no respeito e na dignidade humana. Diferentemente de um EU-ISSO, que Buber descreve como sendo uma experiência desumanizadora, na qual a fala ou comunicação só serve para manipular e controlar.
   Aprendi com o tempo a importância de cultivar uma vivência não-violenta ou em outras palavras: uma Vivência Verdadeiramente Humana. O que seria isso? Partir do pressuposto de que as pessoas tem desejos, vontades, sonhos e planos diferentes dos meus; de que a sua história de vida e escolhas os condicionou a ser de uma determinada maneira, "merecendo" compreensão; e mais profundo ainda, que o outro que age de uma maneira que me causa incomodo, chateamento, tristeza ou mesmo raiva e enojamento, não é meu inimigo ou uma aberração.
   Resgatando Terêncio, um importante dramaturgo e poeta romano: "Sou humano, nada do que é humano me é estranho". Trazendo para o Séc. XXI, ano de 2017, eu poderia dizer que a sua forma de se comportar, dar sentindo a sua vida, amar e os valores não me é estranho, sendo-os a expressão de uma humanidade latente. 
   

 Mas o fato de sermos quem somos, mantermos nossa singularidade não passa de forma despercebida pelo outro. Posso ter ações e falas as mais variadas e diferentes possíveis, é a minha humanidade se manifestando. 
   É no encontro com o outro, na construção da convivência, que o jeito de ser poderá ser aceito e integrado à dinâmica da relação ou que ocorrerá um "desentendimento" e precisará ser negociado. Se ambos precisam estar juntos, por força da vontade dos dois ou por força maior, como em um emprego ou escola, algo precisará ser feito para auxiliar no entendimento.
   Esse entender é atravessado pelo diálogo embasado na razão. Algo está dificultando a compreensão do direito em ser e do dever em reconhecer o direito. Sentimentos não estão sendo identificados e trabalhados, tornando sujeitos objetos de um "poder" desconhecido. Necessidades estão sendo ignoradas ou subestimadas, desgastando mais ainda a convivência. É preciso dialogar para se libertar da incompreensão!
   Em seu livro Comunicação Não-Violenta, Marshall Rosenberg, desenvolve uma teoria da comunicação que auxilia as pessoas a compreenderem a si e a poderem se comunicar de uma forma mais objetiva/clara e humana. Parte do pressuposto de que a maioria desses desgastes e impasses nos relacionamentos é causado pelo desconhecimento de uma Observação livre de julgamentos, rótulos e pré-conceitos; da falta ou frequência em se atentar para os seus sentimentos e por sua vez de verbalizá-los; de também perceber, cuidar e trabalhar suas necessidades; e por ultimo, relacionando estas categorias (Observação, Sentimentos e Necessidades), encontrar um meio de realizar um Pedido ao outro para conciliar essas categorias e concretizar uma negociação em que o ser do outro possa existir minimamente de uma maneira saudável e respeitosa.


Marshall Rosenberg em um Workshop nos E.U.A utiliza de dois fantoches para representar a Comunicação Não-Violenta
   Gostaria de deixar como imagem ilustrativa o uso de fantoches de Rosenberg para explicar o que é a Comunicação Não-Violenta. O boneco da direita que se assemelha a um lobo, ou nas palavras do palestrante é o chacal, representa a violência presente em nossa sociedade, sendo desde a imposição de nossos valores e moralidade ao outro, julgamentos, avaliações, confusão entre fato e opinião à insistência em projetar no outro nossos sentimentos e necessidades não atendidas. O boneco da esquerda sendo a girafa, representa o esforço por uma comunicação mais humana, é o simbolo do escutar para além das aparências, ouvir os sentimentos do outro e suas necessidades. No fundo precisamos desenvolver mais esse lado da girafa... (Sugiro que assistam essa palestra clicando no link abaixo).
   Em suma, o primeiro passo para quem deseja aprimorar a sua forma de se relacionar é começar a se atentar para os seus sentimentos e necessidades, procurando identificá-los e verificar se realmente são sentimentos (alegria, incomodo, raiva, contentamento, tristeza e etc) ou não (estou me sentindo injustiçado; porém injustiçado não é sentimento). Verificando suas necessidades (preciso de alimentos, preciso de segurança, preciso de valorização). E também começar a prestar atenção em suas observações o quanto são influenciadas por julgamentos. E por ultimo, fazer pedidos baseados na compreensão anterior e sem avaliações ou imposições.


   As ideias semeadas nesse breve texto não pretendem esgotar o debate e muito menos oferecer uma receita para os relacionamentos. São reflexões para se colocar na ordem do dia de nossas conversas a importância de se falar sobre Convivência. Pensamentos esses que buscam auxiliar as pessoas no aperfeiçoamento de suas vidas.

Bibliografia:
BUBER, Martin. Eu e Tu. Tradução do alemão, introdução e notas por Newton Aquiles Von Zuben. 10. São Paulo: Editora Centauro, 2001. 

Rosenberg, Marshall. Comunicação Não-Violenta. Editora Agora: 2006.

Rosenberg, Marshall. Workshop sobre Comunicação Não-violenta.
Url: https://www.youtube.com/watch?v=DgAsthY2KNA



Rua Conceição
Michel Cabral

domingo, 15 de janeiro de 2017

Caminhos da autonomia

   Autonomia não é algo que se pode comprar no mercado da esquina, pedir para o vizinho ou relegar ao outro pela sua construção. É tarefa/desafio para ser humano que se vê no mundo, percebe-se ser inconcluído que por sua vez tem a chance de construir sua biografia e interferir na história da coletividade, que por sua vez também pode faltar com a ética universal de estar com outras pessoas ou mesmo de se rever e entrar em sintonia moral com o desconhecido que nos confronta com sua diferença. Falar desse conceito é pensar em alguém que assume ser o sujeito de suas escolhas, que entendendo a influência social em sua vida, não abre mão de seu papel histórico de colaborar (ou não) na transformação da sociedade.
   Mas qual é o caminho para a autonomia? A partir do momento que essa indagação é respondida com um mapa revelando uma trilha de escolhas, opções e alternativas, perde-se o essencial desse processo de vir a ser: a liberdade do ser humano inventar-se! Isso não significa uma ausência de horizonte, que em seu contrário, seria o determinismo de lugar nenhum para onde se movimenta uma consciência “achando” que está escolhendo, mas no fundo, o ponto de chegada já está dado como o nada.
   Por meio da práxis a pessoa consegue sentir sua liberdade* e pensar acerca do que faz, resultados alcançados e do que vai mudar no seu fazer; também é recurso para comparar o seu projeto de vida com outros na qual identifica-se traços de uma edificação de autonomia; é um meio que surgiu no seio da existência humana que possibilita que tenhamos temporalidade e história.
   Sem renunciar pela coletividade nessa empreitada, o diálogo é a ponte que se eleva entre o eu e o nós. Canal de compartilhamento de vivencias e que faz com que a autonomia não se converta para um projeto de autômata, na qual por meio das palavras e exemplos do outro, nos coloca a pensar sobre o que estamos construindo.

meninos pipa

Imagem:Meninos soltando pipas (1947). Portinari, C.

   Na imagem acima foi escolhido um quadro de Portinari para ilustrar a problematização acerca da autonomia: crianças soltando pipa. A criança como representante genuína do ser humano (de suas potencias e limites) e em sua brincadeira (ou ensaio para nós) uma pipa representando seu projeto momentâneo. Tenuamente uma linha a conecta a sua aspiração e realização; pois seu objetivo é fazer o objeto levantar voo, de preferência o mais alto possível e com brilhos ao seus olhos, mas tudo isso governado por sua vontade e organização.
   No momento que se espelhou no outro para conseguir a sua pipa, nas conversas para aprender o manuseio e no preparo para arriscar seu projeto. E entre seu mundo interno e a conquista do objetivo, a linha ao mesmo tempo frágil o bastante para estourar em um movimento imprudente, como forte o suficiente para resistir a ventania do desconhecido, no fundo a expressão de sua liberdade.
   Cada pessoa como apontado no inicio, tem o desafio de elevar e fortalecer a sua autonomia. Existem caminhos para essa tarefa e o horizonte é pensado no inicio da caminhada e no caminhar, sendo que a autonomia se faz caminhando (próximo de Paulo Freire que diz: O caminho se faz caminhando). Não se constrói parado e no mesmo lugar.
   Uma pipa é diferente da outra, a forma de faze-lá foi diferente e o próprio ato de solta-lá é um caminho dentre muitos caminhos. Mas é ato que se dá junto com o outro, por mais só que o sujeito se encontre: a marca humana continua em seu pensamento e linguagem.
   Em uma bela tarde de verão, sentado em frente de um computador sozinho, escrevendo e pensando, constitui-se como o caminhar. Essa reflexão ergue-se como uma pipa, sendo a decisão de compartilhar a linha e do céus como a internet que abriga o artefato. Engana-se quem pensa que essa obra é de exclusiva autoria de quem a assina; precisa ir além e perceber que a coletividade contribuiu para esse processo de autonomia.

*A ideia defendida nesse artigo de liberdade não a compreende em termos absolutos como outras teorias buscam apresentar, mas percebe a questão social, história e biológica como influenciadora, porém não deixa de visualizar o papel dela na construção da autonomia.


Rua Conceição
Michel Cabral