domingo, 13 de novembro de 2016

O valor não está na carteira

   A reflexão sobre os valores é uma questão eminentemente do campo ético enquanto teoria e da vida de forma geral na esfera prática. Qualquer ser humano em sua liberdade de escolha está sendo influenciado por um sistema de valores, o mesmo sabendo ou não. Viver em relação a outros humanos, com a natureza e o mundo, implica em uma moralidade, que é construída coletivamente e historicamente. Alias é por meio da moral que a comunidade existe, sendo que os valores atuam como um laço entre as pessoas, nutrindo à vida comunitária.
    Não podemos pensar a ética para além do mundo humano; não há moralidade entre os animais, pois fazem o que fazem determinados pela bagagem biológica. Diferentemente, o ser humano tem um aspecto biológico, mas devido às transformações na espécie, desenvolveu características que superaram as limitações mundanas, como: a consciência, memória histórica, linguagem etc.
    Por sua vez a moralidade construída nas relações e no seio da vida em comum não significa necessariamente o “bem ou certo por si mesmo”, mas a busca incansável da humanidade por encontrar normativas e valores que consigam expressar a maioria e principalmente concretizar a existência da comunidade com a realização e existência de seus pares.
  No Brasil de antigamente havia alguns valores que hoje já são considerados desnecessários e criticados por seu teor racista e machista, como a própria condição da mulher para ser valorizada precisaria casar e manter a relação a qualquer custo, sendo o contrario um problema moral da época; nos casos das pessoas negras, o convívio afetivo entre branco e negro não era algo aceito e era alvo de desvalorização. Essa moral estava embasada no sistema de dominação do período*.
    Outra situação é que as sociedades constroem um sistema de regras jurídicas e sempre buscam justificá-las pela moral; há leis e ações ditas como licitas, que mesmo na temporalidade vivida por um povo, são consideradas imorais e dão margem para a luta pela transformação. No passado fez parte da legalidade empregar uma pessoa por 18 horas diárias, além de colocar no interior das fábricas crianças na produção; diante dos movimentos sociais da época, da construção de uma nova moralidade, fez-se o questionamento das práticas sociais: é certo uma pessoa se matar de trabalhar?!
      É nesse ponto que o debate mostra que a moral é o sistema de valores de um sistema, grupo e parte de uma ideologia. Por mais puro que as pessoas achem os valores, seus significados são disputados; além dos valores que claramente expressam os interesses de alguém. A moral precisa ser compreendida como algo sendo construído, mantido e transformado.
    Em nossa sociedade, a moralidade está em sintonia com o capitalismo e os interesses da classe dominante. Exemplo são os valores de consumismo e individualismo que regem as relações, sendo transmitidos sutilmente no dia a dia e que impactam a forma de decidir e viver. Ter valor ou ser alguém valorizado, é ser alguém que só pensa em si e tem poder aquisitivo. Essas são as mensagens escondidas em propagandas de produto, novelas, programas de rádio e conversas informais.
     Mesmo os valores reconhecidos como positivos têm os seus significados assediados constantemente. Basta pensar na própria palavra ética que vire e mexe é vista no discurso de empresas que exploram seus funcionários e destroem o ecossistema, mostrando clara incoerência.
        Nesse cenário a máxima é: o valor está na carteira! Está no seu poder de ter e não ser; na quantidade de dinheiro que tem; nas propriedades que acumula; na mentalidade predatória de consumir e consumir. Se for pensado que o sentido da moral é a comunidade, pode-se então concluir que esse sistema não tem moral.
   Por outro lado, se não há valores, as pessoas precisam problematizar o que consideram valores humanos. Voltarem os olhos para dentro de si indagando se aquele valor que justifica o seu ato considera a si, o outro e o mundo de forma geral. Em suma, construir novos valores de sociabilidade e o significado real daqueles existentes. Isso é luta de uma pessoa e da coletividade; do individuo em seu cotidiano e da coletividade que vislumbra um novo mundo, onde o valor não está na carteira, mas no interior de cada ser humano que se relaciona com outro humano.


Imagem: O valor que uma pessoa tem, cultiva e baseia os seus comportamentos está onde?
Na imagem a ideia de alguém sem cabeça para pensar e sem pés que o sustentem como referencia a alguém que perdeu-se de si e da comunidade na busca irracional pelos valores na carteira




 Rua Conceição
Michel Cabral



*Mesmo com a evolução histórica da sociedade, o autor não ignora que o racismo e o machismo persistem prejudicando o convívio humano.

domingo, 6 de novembro de 2016

Influências da cultura no Desenvolvimento Humano

   O tornar-se humano é um fenômeno que envolve aspectos biológicos, ambientais, históricos, políticos e culturais. Apenas com a estrutura orgânica não seria possível um ser com pensamento, linguagem e toda uma cultura edificada pelo comportamento humano; elemento esse que expressa tudo o que temos hoje. Foi necessário um suporte biológico em interação com um meio, o tempo histórico de apropriação por diferentes gerações de saberes e práticas, e o intercambio de pessoas em consenso ou disputa de projetos de sociedade. Em comum nas interações cotidianas, a cultura atua como mediadora no desenvolvimento de cada indivíduo e na manutenção ou transformação da sociedade, sendo necessário refletirmos sobre aspectos fortalecedores ou destrutivos da cultura.
   Ser alguém e estar em um mundo com uma determinada conjuntura política e social, reflete a influencia cultural transmitida por meio de palavras, conceitos e significados que são apropriados pelo sujeito na vida diária. A existência de uma prática, como passar 8h do dia no trabalho e ter sua vida norteada por esse fazer, só é possível por ter sido construído coletivamente pelas pessoas ao longo do tempo, em meio a concordâncias e disputas. 
   Como parte do desenvolvimento nós nos apropriamos de discursos e ações, que vão moldando o nosso ser e as nossas relações com o entorno. Não necessariamente apenas nos adaptamos a cultura dominante, mas também rompemos com o que é apresentado como dado e buscamos a partir do sentido que atribuímos, transformar a realidade (posicionamento político que possibilitou ao longo da história a superação de limites e estados de estagnação).


   Mesmo que a cultura seja um componente importante do desenvolvimento humano, que torna real o ser falante que somos, as estruturas mentais para lidar com a realidade tão adversa e a nossa sociabilidade que possibilita a construção de uma sociedade, não podemos pensá-la de forma neutra e desvinculada de interesses econômicos e de grupos sociais.
   No parágrafo anterior foi citado a adaptação a cultura dominante que em ultima instância é a cultura do capitalismo e de uma sociedade opressiva. Essa cultura tem a sua lógica de existência, seus valores, práticas sociais, verdades/mentiras, padrão de normal/anormal, referencia de beleza e etc. Elementos que influenciam o desenvolvimento humano e disputam no cotidiano a sua manutenção, sendo em elementos puramente abstrato, como no campo concreto, do se fazer-se alguém (identidade pessoal, pertencimento a grupo, valores e na biografia do sujeito). 
   Esse texto parte da tese de que a cultura dominante é destrutiva e representa o que há de mais podre na existência: desigualdade social; extrema vulnerabilidade econômica e de projeto de vida dos povos; uso inadequado e abusivo dos recursos naturais; valorização de comportamentos anti-sociais como individualismo e consumismo; e a própria violência cotidiana atingindo as pessoas.
  Viver implica termos consciência do mundo em que estamos e o significado por trás do que é mantido socialmente como normal. Com um olhar atento, identificar traços da cultura destrutiva em nossa vida. 
   E de tamanha importância também, identificar os elementos "positivos" da cultura que nos auxiliam em nosso desenvolvimento saudável, na luta pela superação de situação desumanas e na nossa realização enquanto gente, tendo como exemplo, a cooperação, interação social, altruísmo, democracia.
   E por fim, deixar registrado que esse texto é apenas um recorte pequeno de toda discussão sobre desenvolvimento humano e na própria linha de reflexão adotado, faltaria discorrer sobre o significado das palavras (que não é algo pronto e neutro), ficando para uma próxima ocasião.



Bibliográfia/Inspiração:

Ratner, C.  O que é psicologia da libertação? é psicologia cultural. In Psicologia Social para américa latina, Guzzo, R. S. L. & JR Lacerda, F. Editora Alínea. 2 edição. Campinas: 2011.



Rua Conceição
Michel Cabral