sexta-feira, 28 de agosto de 2020

Como é um Abrigo para morador de rua?

Fundada em 20/05/2009 a "Casa Antônio Fernando dos Santos" representa o primeiro Abrigo para pessoas em situação de rua do município de Campinas/SP, atuando no acolhimento residencial e de acompanhamento psicossocial de pessoas vulneráveis, trabalha a autonomia dos sujeitos e busca proporcionar um espaço digno para as pessoas morarem temporariamente; e assim posteriormente saírem da situação de rua para uma moradia alternativa, aluguel ou para a casa de um familiar.

   No Brasil os moradores de rua são uma realidade há décadas, expressão de um sistema opressivo onde a garantia de direitos não é concretizada integralmente. Esse segmento populacional é tecnicamente chamado de 'pessoas em situação de rua' ao invés de moradores, com o objetivo de destacar que é um estado de ser - que surgiu devido a vários fatores como desemprego, falta de moradia, vínculos sociais rompidos - e não uma condição inerente a esses seres humanos, como se tivessem nascidos definidos para assim serem. Como a própria Política Nacional para Pessoas em situação de rua (2009) caracteriza, além dos itens anteriores, é um grupo social heterogêneo, marcado pela pobreza extrema, que vive e se sustenta nas ruas (...)
   Em Campinas há pessoas em situação de rua que necessitam de serviços de assistência social para sobreviverem no dia a dia ou para darem força a luta por uma vida melhor, e assim, edificarem uma vida digna e com autonomia.
   A seguir temos um esboço dos serviços de Assistência Social que atendem esse público, além do Consultório na Rua da Saúde que auxilia:


*O abrigo feminino tem vagas para crianças e suas mães
**Centro Pop: Centro Especializado para População em Sit. de Rua
*** Centro Pop, Abordagem Social e Albergue são a porta de entrada da pessoa na assistência, podendo ser encaminhado para abrigo ou casa de passagem.
**** Ainda existe o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) que atende a população de rua
*****Com a pandemia o acesso aos abrigos é intermediado pelo Albergue e Abrigo Emergencial, onde as pessoas ficam em quarentena. Os 3 abrigos emergências são temporários para atender durante a pandemia.  

Agora vamos lá: Como é um abrigo por dentro?

   A Casa Antonio Fernando dos Santos (CAFS) é um serviço 24h, com a presença todos os horários e dias de um monitor social que auxilia os moradores na rotina e no cuidado; funciona em uma residência localizada na região central da cidade, a casa conta com quartos com camas, guarda roupa, ventilador e janela. As roupas de cama e o espaço são higienizados semanalmente pelo serviços gerais; há banheiros coletivos; uma sala de refeição, cozinha, sala de tv e outra de computador, mais internet e impressora disponível para impressão de cópias de documento e currículo; o serviço conta com cozinheiras e refeições frescas são feitas todos os dias por elas; existe um quintal, garagem e jardim, com um depósito no espaço, além de uma bela varanda com vista para a rua; alimentos, produtos de limpeza, higiene, energia, telefone, gás e água são pagos pela instituição.
   Além da estrutura física e o recurso material, o abrigo conta com monitores sociais que estão diariamente e 24h disponíveis para auxiliar no cuidado dos moradores e da casa, realizar orientações e acolhimento, desenvolver atividades socioeducativas; também há psicólogo, assistente social, terapeuta ocupacional e um coordenador para acompanhar o projeto de vida de cada usuário, ajudando cada um a se conhecer melhor, o que levou e o mantém na rua, identificar dificuldades e principalmente potencialidades e assim a desenvolver, além de contribuir para que os usuários acessem a rede de garantia de direito, como o SUS, outros serviços do Sistema Único de Assistência Social (Suas), espaços e serviços de lazer, cultura, educação e equipamentos de orientação ao trabalho.
   Para desenvolver o seu projeto de vida, os moradores tem em média de 6 meses há 1 ano de acolhimento. 
   Na casa podem passar o dia descansando, vendo Tv ou mexendo na internet. Não há horário para dormir ou acordar. Cada pessoa precisa se organizar de acordo com sua necessidade e pretensão de objetivo para saída das ruas. O morador pode sair ao longo do dia para procurar emprego ou para trabalhar mesmo.
   A proposta é que o usuário se organizando com trabalho e renda; se fortalecendo subjetivamente; se preparando para uma nova moradia, pode se realizar a transição para a sua saída das ruas e acompanhamento pós. Mesmo não sendo dever do abrigo, a equipe procura manter acompanhamento social durante um tempo como forma de ajudar a pessoa a não se desorganizar e voltar para a rua. 
   Assim tem existido há quase 12 anos o abrigo Antônio Fernando dos Santos e já acolheu nesse tempo inúmeras pessoas em situação de rua da cidade. Este serviço é administrado pela Cáritas arquidiocesana com financiamento público da prefeitura.

Outras informações

   A partir de 2005 é regulamentado e passa a operar no Brasil o Sistema Único de Assistência Social (SUAS) organizando esta política pública nos estados e municípios. Com base na Política Nacional de Assistência Social (2004) e na Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais (2009), a política de assistência social passa a ser dever do estado e direito do cidadão, a funcionar a fim de atender aqueles que necessitarem por conta de uma vulnerabilidade social, visando a proteção social e a auxiliar as pessoas a lidarem e superarem a própria vulnerabilidade social.
   Dessa forma os serviços são organizados de acordo com a demanda social por três níveis: proteção básica na comunidade, quando não há uma "situação de violência propriamente dita", e o objetivo maior é a prevenção, fortalecimento dos vínculos e desenvolvimento comunitário; proteção especial de média complexidade, na qual há uma situação de violência, onde por meio de intervenção de acompanhamento psicossocial é possível agir em vista de cuidar da pessoa em seu território, família e casa; e na alta complexidade, quando os vínculos sociais e familiares foram rompidos e existe a necessidade de acolhimento Institucional.
   Os abrigos para pessoas em situação de rua são do nível de alta complexidade, quando a pessoa precisa de proteção integral: alimentação, local para moradia, atendimento social. Isso se deve pelo fato do fenômeno de estar em situação de rua expor a pessoa a violência, falta de acesso a direitos básicos, e um aprofundamento da vulnerabilidade social. 

Quem foi a pessoa que deu nome ao abrigo?

   Foram anos, senão décadas que se levou para se inaugurar o primeiro abrigo de Campinas, regulamentado de acordo com a lei, em condições adequadas e com qualidade para acolher quem mais precisa. Por muitos anos o albergue foi o principal e único espaço de acolhida pública, sendo o local um galpão com capacidade para mais de 50 pessoas.
   Em meados de 2000 houve um senhor pelas ruas de Campinas chamado Antonio Fernando dos Santos, uma pessoa em situação de rua, mais um brasileiro, com muitos deveres, e com direitos negados, mesmo assim não deixou de militar e lutar pelos direitos da população em situação de rua. Participou de reuniões na prefeitura, reuniões do conselho de assistência social e manifestações no centro, tudo em prol de melhores condições e um abrigo às pessoas que sobreviviam nas ruas. Infelizmente ele veio a falecer e não viu a criação do primeiro serviço de acolhimento institucional.
   Para fazer jus a sua luta e o homenagear a Cáritas e a Igreja Católica decidiram batizar o primeiro abrigo como CASA ANTONIO FERNANDO DOS SANTOS. De sua luta ficou o legado de ideia de um mundo melhor e a seguinte foto de um momento de reivindicação e protagonismo cidadão:

Imagem (s/d): Manifestação na escadaria da Igreja Catedral onde aparece o Sr. Antonio Fernando dos Santos com um cartaz escrito "QUEREMOS Trabalho e Respeito" à direita.


Para Pensar

   Algumas pessoas acreditam que abrigo ou qualquer forma de auxílio as pessoas em situação de rua é desperdício de investimento e tempo; que essas pessoas não merecem; que cada um tem que se virar na vida.
   Porém, antes de mais nada, nós vivemos em sociedade, portanto somos cidadãos que contribuímos com impostos e assim temos direitos e deveres. O estado tem responsabilidade na construção de uma sociedade mais justa e igualitária. É dever dele proporcionar políticas habitacionais e de emprego e transferência de renda. 
   Segundo, que somos seres humanos, ninguém é dispensável, precisamos agir solidariamente um com o outro. A pessoa na rua mais que qualquer outro ser humano, precisa de ajuda. E eu costumo dizer que o abrigo funciona similarmente a um hospital, mas no âmbito da assistência social. O abrigo atua assim em uma "situação de emergência".
   E quando não gostamos de uma situação, precisamos compreender e agir na raiz do problema e não nos sintomas. Desemprego, falta de moradia, vínculos sociais fragilizados, distorção de valores humanos e a violência de uma sociedade baseada na mercantilização da vida são as causas de tantos "problemas" sociais, como da pessoa em situação de rua; da dependência química; da evasão escolar; e do adoecimento psíquico.
   É preciso intervir na essência da sociedade, no íntimo do ser humano, promovendo a transformação de valores, ideias e de um projeto de sociedade pautado na solidariedade, paz, respeito e distribuição das riquezas geradas coletivamente. 



Fontes:
Política Nacional de Assistência Social (2004)
Política Nacional para população em situação de rua (2009)
Tipificação Nacional de Serviços Socioassistênciais (2009)


Rua Conceição
Michel

5 comentários:

  1. Muito legal você trazer bastidor e dados sobre o funcionamento deste tipo de atendimento. Que as pessoas acolhidas consigam buscar seus caminhos e conquistas.

    Hida :)

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  2. Muito obrigado pelo incentivo e carinho, Amor. E vc é a primeira leitora e comentarista do meu blog, sendo um apoio grande e estímulo a minha reflexão e registro de ideias.
    Te amo

    Michel

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  3. Excelente matéria Michel, traz informações ricas, mostrando a importância e o valor da existência dos abrigos para pessoas em situação de rua. Um local de acolhimento, conforto e direcionamento para um fururo melhor. Gratidão por acompartilhar.

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    Respostas
    1. Obrigado pelo prestigio em visitar e comentar na página.
      =)

      Michel

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