segunda-feira, 21 de agosto de 2017

Quem é o morador de rua?

   Quem são as pessoas que moram na rua? Essa pergunta é corriqueira nos grandes centros urbanos e evoca as mais variadas respostas das pessoas e dos profissionais que trabalham em serviços que atendem esse público. Por razão  e do dia 19 de Agosto que foi anteontem e representa o Dia Nacional de Luta das Pessoas em Situação de Rua, esse texto propõe mediar um entendimento sobre a questão.
      A Política Nacional para população em situação de rua (Decreto n. 7053) define esse segmento como sendo caracterizado por indivíduos sem moradia convencional regular, habitando logradouros públicos ou marquises e ficando em abrigos públicos; com laços/vínculos familiares e sociais fragilizados ou rompidos; público heterogêneo e que vivenciam a miséria extrema.
     Trabalhando há mais de 2 anos em um serviço de acolhimento institucional para pessoas em situação de rua pude perceber e desenvolver um conhecimento acerca desse segmento, além de constatar o que foi apontado acima.
     São pessoas em sua maioria oriundas de bairros periféricos e que faziam parte de famílias empobrecidas e que estavam em situação de vulnerabilidade social. Antes mesmo de irem para a rua, já haviam sofrido a falta de alimento, saneamento básico e infra estrutura urbana. Famílias que não tinham acesso à educação de qualidade, serviços de saúde e de lazer e cultura.
      A violência policial ou do tráfico já estava presente no território de origem, não sendo uma novidade vivida nas ruas. Alguns relatos de execução de membros da família, ouvi da boca de pessoas que foram morar na rua.
  A baixa escolaridade representada por pessoas que não concluíram o ensino fundamental ou mesmo são analfabetas. Junto a isso soma-se a fragilidade ou inexistência de vínculos empregatícios na Carteira de Trabalho, sendo em um total de 8 meses ou pouco mais para uma pessoa com mais de 35 anos de idade.
     Sendo que podemos concluir que a causa para uma pessoa ficar em situação de rua é multifatorial, ou seja, não há uma causa só, mas várias que se somam. Além do nosso modelo social que possibilita o absurdo de haver gente morrendo de fome, frio e da falta de um teto pelas ruas.
    Não mais importante, mas que faz parte desse fenômeno é o elemento psicológico agravado pelo estar na rua, expresso no formato de sofrimento e na perda de referencia de espaço, tempo e organização da vida cotidiana. A noção do privado e público (espaço) é prejudicada por não se ter essa separação clara na rua. O tempo que em muito se pesa o horário comercial do capitalismo, deixa de ser um referencial e passa-se a ser um tempo de acordar (se a pessoa conseguiu dormir), dormir (tentar), comer (ver o que se consegue), se anestesiar das dores e emoções intensas (uso de substâncias psicoativas ´spas´) e aguardar por algo (sobrevivendo). O organizar-se para buscar um trabalho ou mante-lo, pagar as contas, cuidar de si e dos familiares e próximos, do se socializar e se entreter, fazer planos futuros, vai ficando fragilizado. 
     Isso tudo citado vai enfraquecendo a autonomia do sujeito, a sua liberdade mínima de planejar, executar e se responsabilizar pelos resultados.


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O outro é o nosso semelhante
   O isolamento social (diferente de solidão) vivido por essas pessoas vai prejudicando aos poucos a saúde de cada um. A própria maneira de conviver com o outro vai ficando prejudicada devido a experiência constante da fome, falta de um lar e violência sofrida na rua. Surge então o estado deprimido deixando a pessoa sem energia e iniciativa para as atividades; a ambivalência de emoções representado pela realidade de hora ser beneficiado por alguma coisa boa, como comida ou uma palavra amiga (suscitando a alegria) e outra pela agressão de um porrete e água fria (gerando raiva e tristeza); a própria condição da rua aumenta a agressividade do individuo, sendo um mecanismo próprio para sobreviver em um ambiente tão hostil.
    Diante disso coloca-se o risco de tanto criminalizar os moradores de rua, vendo na expressão de sua agressividade o perfil de um criminoso perigoso que precisamos excluir. E também o risco de patologizar o diferente; nisso me vem o exemplo de um morador de rua aqui do centro de Campinas que anda vestido de "Superman": mas não seria necessário se fantasiar de herói para lidar com tanta dor, privação e violação de direito, sendo um super homem para si mesmo?! Mas alguns vão chamar esse senhor de louco... Se há louco nesse mundo, não somos nós que aceitamos vermos outros humanos em condições tão sub-humanas?
    Mas mesmo tendo escrito essas linhas tentando decifrar quem são as pessoas em situação de rua, sugiro que cada um que ler esse texto, procure conversar com um na rua, buscando saber junto de um ou uma quem ele ou ela é.
Qual é a sua história? Quais são seus sonhos? Como você está se sentindo com essa conversa? Qual o principal sentimento vivenciado na rua?



Michel Cabral
Dia chuvoso, Agosto folclórico
Rua Conceição

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